top of page

Lista de coisas que eu gostaria de dizer sobre ter bulimia

  • Foto do escritor: Katherine Carvalho
    Katherine Carvalho
  • 24 de fev.
  • 7 min de leitura
Cereja num prato ao lado de fita métrica para ilustrar preocupação com o peso corporal

Eu recebi esse diagnóstico há pouco tempo, mas eu tenho bulimia desde muito nova. Não saberia precisar exatamente quando os sintomas começaram ou quando isso se tornou patológico. O que eu sei é que só uns dois anos atrás eu consegui dar nome a tudo o que sentia e tudo o que acontecia comigo. E olha… foi libertador. 


Talvez você não conheça muito sobre o assunto, então vou te ajudar. Aqui você encontra uma lista de coisas que eu gostaria de dizer sobre ter bulimia. 


Bulimia nem sempre se parece com o que você vê na TV ou nas novelas


Você já deve ter visto muitos personagens bulímicos na TV. Em filmes, seriados, novelas. A que mais me marcou foi a Giselle, de “Páginas da vida” na Globo. Se você não é fã ou se não lembra dessa novela, eu te dou um resumo: em “Páginas da vida” a Giselle era uma estudante de balé com uma mãe muito rígida que queria que a filha fosse magra. 


Mas Giselle escondia doces no guarda-roupa e, com o passar do tempo, desenvolveu uma compulsão que a impelia a vomitar depois de comer. Ela colocava a escova de dentes na garganta, o que eu considero uma imagem particularmente forte para uma criança assistir (eu tinha apenas 6 anos quando essa novela foi ao ar). Deve ser por isso que lembro tão nitidamente até hoje. 


Outra personagem muito marcante foi a Blair de “Gossip Girl”, minha série favorita. Embora a bulimia de Blair tenha sido retratada apenas na primeira temporada, seus episódios de compulsão, desencadeados por emoções negativas intensas como frustração ou raiva, lembram muito os meus. 


Mas o que eu quero dizer com tudo isso? É que a bulimia nem sempre se parece com o que você vê na TV. Nem todo bulímico enfia a escova de dente na garganta, nem todo bulímico come até passar mal. Bulimia não é só isso. O buraco é muito, muito mais profundo. 


A bulimia é uma doença mental complexa, volátil, por vezes silenciosa. Pode se manifestar de formas diferentes e pessoas bulímicas podem passar anos escondendo que têm bulimia sem ninguém perceber. Por isso, não se deixe levar pelas coisas que vê na TV. Aquilo é apenas uma representação da bulimia estereotipada. A realidade às vezes é bem diferente. 


Bulimia pode vir acompanhada de distorção de imagem


A compulsão alimentar é um dos sintomas principais da bulimia. Mas existe um outro, talvez tão prejudicial quanto esse primeiro: a distorção de imagem. Veja bem, eu não estou acima do peso. Meu IMC está dentro do normal para a minha altura, e as pessoas que me veem dizem que estou ótima. Bonita, até. 


Mas quando me olho no espelho, não é isso que vejo. Para quem é bulímico, como eu, a imagem no espelho (quase) nunca corresponde à realidade. Você sempre vê algo que não existe: uma gordurinha que parece grande demais, uma celulite que na sua cabeça todos vão achar repugnante, uma estria que surgiu de repente, um pedaço de pele flácida que você gostaria de arrancar fora. 


A distorção de imagem maltrata muito, e nos dias ruins, não há nada que eu possa fazer além de evitar os espelhos. É melhor assim, sabe? E não tente me consolar dizendo que estou linda, porque pra mim, eu não estou. Nesses dias sou a pessoa mais feia do mundo. 


Eu não gosto de odiar o que vejo quando me olho no espelho. E se você quiser ler a carta que escrevi para o meu corpo, pode acessar clicando aqui. Entende agora como a bulimia é muito mais do que comer e vomitar? 


Tem a ver com emoções, com a forma como enxergo a mim mesma, com autoestima, com a pressão social e estética do mundo à minha volta, com minha relação com a comida, com a culpa, com a necessidade que sinto de ter um corpo perfeito. E é tão, mas tão cansativo. 


Então, se você convive com alguém que diz não estar contente com o próprio corpo, seja acolhedor. Não tente convencê-la de que ela está ótima assim. Dê seu apoio, pergunte a ela o motivo disso tudo. Porque ali pode existir algo mais profundo do que o simples desejo de ser magro. Nem sempre a busca pela magreza é saudável. 


Bulimia não é a mesma coisa que anorexia


Aí você me pergunta: mas não é a mesma coisa que anorexia? Não, não é. Nesse artigo tem uma explicação bem didática sobre a diferença entre bulimia e anorexia, acho que você vai gostar de ler. 


No início do tratamento, meu médico me perguntou detalhadamente como era minha alimentação e meus episódios de compulsão, de forma a definir o diagnóstico corretamente, porque em muitos aspectos as duas doenças se confundem.


Então, se eu posso te dar um conselho, meu caro bulímico, seja absolutamente sincero com seu psiquiatra, beleza? O tratamento correto é essencial para notar alguma melhora nos sintomas. E estude. Estude muito sobre seus diagnósticos. Quanto mais você conhece sobre seu CID, mais poder você tem sobre a doença. 


Emoções muito intensas, sejam elas positivas ou negativas, podem desencadear compulsões


Vou te explicar como funciona um episódio de compulsão. No meu caso, por exemplo, qualquer emoção muito intensa, seja ela positiva ou negativa, desencadeia uma vontade incontrolável de comer. É como se eu pudesse compensar meus sentimentos com a comida.


Estou muito feliz? Vou comer pra comemorar. Tive um dia péssimo e estou triste? Vou comer pra me sentir melhor. Estou estressada? Vou comer porque eu mereço. Esses episódios não são parecidos com uma vontade normal: são dilacerantes, violentos, como um desejo primitivo. Às vezes, durante a compulsão, me parece que vou morrer se eu não satisfizer meu corpo imediatamente. 


Então não me leve a mal se um dia eu te disser que os dias comuns são os melhores. Dias em que não estou nem muito feliz nem muito triste, só estou… normal. Porque é nesses dias que eu encaro a comida como o que de fato ela é: apenas comida, e não uma válvula de escape. 


Algumas coisas nos dão gatilhos


Não sei como funciona para quem não tem bulimia, mas para mim, coisas simples podem me dar gatilhos, como a propaganda de um hambúrguer na televisão ou um vídeo de receita no Instagram. Isso acontece principalmente em dias ruins, quando qualquer coisa é motivo para eu querer descontar meus sentimentos na comida. 


Não é nada fácil, eu garanto. Às vezes estou tranquila e alguém comenta “nossa, você emagreceu”, e apesar de ser um elogio, comentários como esse também geram gatilhos, porque reforçam a sensação de que minhas atitudes compensatórias surtem efeito, então na minha cabeça deturpada pela bulimia, eu devo continuar fazendo. 


Tô dizendo pra você parar de me elogiar? Claro que não. Só estou tentando explicar como a mentalidade de um bulímico funciona e como tudo, por mais bem-intencionado que seja, pode acabar em compulsão e culpa. Então, se você convive com alguém que tem bulimia: tenha paciência. As coisas às vezes saem do controle e a culpa não é nossa. 


Neste post da nutricionista Paola Prunzel, você consegue ler alguns conselhos valiosos para pessoas que convivem com alguém com transtorno alimentar. Vale a pena ler, eu juro. 


Transtornos alimentares são doenças mentais


O tema “doenças mentais” ainda é um tabu para muita gente, o que eu acho bem ruim, porque quase todo mundo que eu conheço tem pelo menos uma doença mental, e se esse assunto fosse um pouquinho mais acessível, talvez a gente não sofresse tanto com pessoas que não se tratam. 


Mas, caso você não saiba, transtornos alimentares são, sim, doenças mentais. Você pode saber mais sobre o assunto neste link aqui. Isso quer dizer que não é frescura, não é mimimi, não é chatice — assim como qualquer outra enfermidade, a bulimia precisa de tratamento e medicação. 


Se você é bulímico, eu acho bem difícil você conseguir lidar com isso sozinho. Eu, por exemplo, só comecei a melhorar com uso de remédios específicos e terapia. É importante lembrar também que a bulimia não tem cura; eu já me conformei que vou conviver com ela pra sempre. Mas tem como controlá-la, e é por isso que gosto de escrever sobre o assunto. 


Um lanche do McDonald's nunca é apenas um lanche do McDonald's


Sabe aquela velha discussão de qual é melhor: Burger King ou McDonald’s? Minha resposta sempre vai ser McDonald’s, mas preciso que saiba que um lanche do McDonald’s nunca é apenas um lanche do McDonald’s pra mim. 


Quando eu percebi que minha relação com essa rede de fast food talvez não fosse normal, eu trouxe esse assunto pra minha psicóloga e após muitas sessões de terapia, descobri que o que eu tenho é um vício. Você pode até estar dando risada agora, porque quando a gente ouve a palavra “vício”, pensa automaticamente em drogas pesadas ou em álcool. 


Mas muitas outras coisas provocam vício, tá? Jogos de azar, videogame, celular, enfim, se você tem propensão, pode se viciar em qualquer coisa. E uma delas é fast food. Demorou um pouco pra cair a ficha de que McDonald’s era algo perigoso para mim, porque fugia do meu controle, mas quando eu finalmente percebi, tive que dar um jeito nisso.


Promessas sempre funcionaram muito bem pra mim. Então eu prometi que ficaria 1 ano inteiro sem comer McDonald’s, o que foi realmente uma grande vitória pessoal que quase ninguém entende – porque, fala sério, ficar sem comer McDonald’s, e daí´? Só que pra mim é um sinal do absoluto poder que eu tenho sobre meu corpo e sobre minha doença. 


Porque não foi apenas 1 ano sem comer: foi 1 ano inteiro de força de vontade, de abdicação, de choros à noite, de mudar a rota para não passar na frente de alguma sede do McDonald’s e evitar sentir o cheiro dos lanches, 1 ano inteiro em que eu pensei “talvez eu consiga aguentar mais um dia”. Se você convive com alguém que tem problemas com alcoolismo, talvez entenda o que estou falando. No fundo, não é tão diferente assim.


Bulimia é um processo longo e cansativo de luta e autoconhecimento


Não tenho a ilusão de, um dia, acordar e ter feito as pazes com a comida ou com meu corpo. Sei que nada é tão fantasioso assim e tenho consciência de que a bulimia é um processo longo, e que a luta é diária e cansativa. 


Mas eu tenho esperança de, um dia, conseguir comer McDonald’s mais de 2 vezes por ano sem desencadear novos episódios de vício ou olhar no espelho e gostar do que vejo. Não custa sonhar, né? Já melhorei bastante de 2 anos pra cá, então quem sabe um dia? Espero que você ainda esteja aqui quando eu vier te contar que consegui superar a bulimia.

4 تعليقات

تم التقييم بـ 0 من أصل 5 نجوم.
لا توجد تقييمات حتى الآن

إضافة تقييم
الضيف
25 فبراير
تم التقييم بـ 5 من أصل 5 نجوم.

❤️

إعجاب
Katherine Carvalho
Katherine Carvalho
25 فبراير
الرد على

❤️

إعجاب

الضيف
25 فبراير
تم التقييم بـ 5 من أصل 5 نجوم.

Excelente e explicativo 💙👏🏻

إعجاب
Katherine Carvalho
Katherine Carvalho
25 فبراير
الرد على

Obrigada ❤️

إعجاب

Obrigada!

bottom of page